sábado, 27 de dezembro de 2008
Perfume no paletó.
Era um baile de carnaval, 1950, quando ela surgiu. De cabelos vermelhos, longos e lisos com as pontas enroladas, olhos esverdeados, alta e com um corpo de dar inveja à maioria das mulheres naquele salão. Ninguém sabia quem era ela, de onde veio, nem ao menos seu nome. De repente, começou um grande alvoroço e os curiosos foram espiar o que havia acontecido; a linda jovem havia levado um tapa na cara de uma outra mulher. Aquelas donas-de-casa conservadoras e que já invejavam a moça logo pensaram que aquilo só podia ter acontecido porque ela não se deu ao respeito e com certeza teria correspondido a algum gracejo do marido da mulher que saiu correndo, furiosa, após dar o tapa na rosto de Paula. Alguns mostraram-se caridosos escondendo na verdade a grande curiosidade de saber o que de fato havia acontecido e ajudaram Paula a se levantar do chão, estava sentada em um banco quando foi surpreendida por Amelinha.
A grande surpresa foi que Paula agradeceu a ajuda, mas não quis contar nada e saiu com pressa do salão. Passaram-se alguns dias, e vários maridos das donas-de-casa da vizinhança começaram a apresentar um comportamento suspeito. O curioso de tudo era que sempre quando as esposas destes iam atrás dos paletós de seus maridos, sentiam um perfume feminino que as fazia tossir, como uma alergia.
Toda semana, no mesmo salão em que ocorreu o baile de carnaval, aconteciam espetáculos onde grupos amadores de jazz se apresentavam e, por serem amadores, o ingresso era acessível financeiramente a qualquer um daquela região, por isso, sempre lotava.
Jorge estava aniversariando seu 40º ano de vida naquela noite, quando notou a linda Paula em um canto do salão. Não sabia o que o atraia tanto para aquela mulher, além da beleza, ele achava que tinha algo mais. Chegou perto dela e perguntou se estava sozinha, ela recua e diz, com uma voz desconfiada, que sim. Jorge a convida para uma dança, é quando sente um perfume inusitado, ele nunca havia se sentido tão atraído por nenhuma outra mulher. Enquanto dançavam, Jorge a pede em casamento, no que Paula se assusta e começa uma risada discreta.
- Você está louco? Nós mal nos conhecemos! Você é casado, isso já me trouxe muitos problemas!
- Quero casar com você, já decidi, vou me separar de minha esposa.
Não era a primeira vez que Paula recebia este tipo de proposta, já estava até um pouco acostumada, mas queria demonstrar espanto. Jorge vai pra casa, depois de se despedirem, Paula pede pra ele passar um pouco de um líquido, que ela ofereceu, em seu paletó. Jorge não entendeu, parecia que estava enfeitiçado, aceitou.
Chegando em casa, Marta, sua esposa, estava lhe esperando e esperava alguma explicação coerente para aquele desaparecimento justo no dia em que ela havia preparado um belo bolo para comemorarem o aniversário de Jorge. Ele não dá ouvidos e vai dormir.
Ao acordar, sente-se confuso e não consegue lembrar exatamente do que acontecera na noite anterior. Pega seu paletó para vestir novamente e sente um cheiro estranho, mas muito bom.
Paula atraía os homens, mas não ajudava-os em seu desejo pelo adultério. Amelinha e Marta eram mais umas donas-de-casa que viviam às custas do marido e que haviam casado para não passarem necessidades, mas que não amavam mais o marido e que já haviam sofrido com a ausência e o comportamento incomum destes muitas outras vezes, porém, eram muito conservadoras. Amelinha se sentiu ameaçada e agrediu fisicamente Paula, que não reagiu, mas ninguém ficou sabendo exatamente toda a história.
Depois de algumas semanas, Jorge e os outros maridos que não resistiram ao encanto de Paula desaparecem. Nunca mais apareceram, nem pistas sobre seus sumiços, e nunca mais se ouviu falar em Paula. A partir daquele dia, aquelas donas-de-casa viveram mais felizes, apesar de demonstrarem grande tristeza. E depois de alguns anos apenas voltaram a comentar sobre a origem daquela misteriosa jovem do perfume no paletó.
domingo, 21 de dezembro de 2008
Mudou mesmo, pensaram todos.
Rogério era um cara muito safado, como diziam todos que o conheciam, traía todas as namoradas e parecia nem se importar. Um dia apaixonou-se de verdade, como que por um milagre, decidiu se casar. Já estavam há 2 anos e meio juntos e, por incrível que pareça, ele não a traiu uma vez sequer em todo esse tempo. Porém, sua esposa começara a inventar várias desculpas para não fazerem amor, das clássicas como “Estou com dor de cabeça” à reclamações sobre seu físico. Rogério começara a estranhar esse comportamento, louco de amores por Laíse, preferiu acreditar que isso seria uma fase e não queria fazer nada para perdê-la. Evitava discutir, estava realmente mudado, pensavam todos. Um dia, ao sair do trabalho, viu sua esposa entrar em um restaurante muito bem arrumada; estranhando, foi atrás para saber se tinha acontecido o pior, como se referia ao medo de que Laíse tivesse um amante. Ao entrar no La Traviatta, viu que Laíse estava jantando com uma mulher, Rogério sentiu-se aliviado, pois só estava jantando com uma amiga.
- O que há com você, tão distante, Laíse? - Disse, enfrentando o seu medo de discussões.
- Lá vem você de novo com essas bobagens, eu só estou muito cansada de tanto trabalhar, e você poderia se esforçar pra conseguir um emprego melhor, este que tens mal dá pra pagar as contas domésticas.
Rogério começou a pensar que estava paranóico à toa, afinal, Laíse não parecia o estar traindo, não sabia o que fazer com estes ciúmes e a dificuldade para os controlar, parecia cada vez mais dependente de qualquer demonstração de amor dela, estas que diminuíam a cada dia que passava.
Era um sábado à noite, Rogério deveria estar viajando, porém, a viagem foi cancelada de última hora e, ao voltar pra casa, abriu a porta de seu quarto e na cama estavam Laíse e a tal mulher desconhecida, nuas. Perplexo, enquanto ela tentava se explicar com frases do tipo “não é nada disso que você está pensando” e sua amante procurava as peças de roupas espalhadas pelo quarto, Rogério, com medo, só achou uma frase que caberia ao momento, e disse:
- Posso me juntar a vocês? Sempre achei interessante a idéia de um menage.
Laíse percebera o quanto Rogério realmente estava mudado e o quanto a amava, passando por cima de algo terrível que ela teria feito, assim pensava. Oprimindo toda a raiva de uma traição por amor. Enquanto Rogério pensava “Se o pessoal descobrir que fui traído por outra mulher, é o meu fim”.
É, talvez ele não esteja tão mudado assim.
quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
Isso sim é amor!
Marília e Gustavo eram casados há 10 anos, e todas as pessoas que moravam perto deles, sentiam um pouco de inveja pelo amor que aquele casal transparecia ter com reciprocidade. Até que um dia, a vizinhança toda ouviu gritos entre acusações e desabafos, até barulhos de coisas quebrando. Alguns pensaram que aquele seria realmente o fim; outros, ao pensarem o mesmo, sentiam até um certo orgulho por não terem chegado a esse ponto de fazer escândalo.
- Você vai embora hoje ainda, não quero mais olhar na tua cara!
- Mas... Marília! Não é melhor pensarmos mais um pouco? Vamos jogar 10 anos de casamento no lixo? Por que isso agora, que bicho te mordeu?
- Que bicho me mordeu? É assim que você fala disto? - Diz Marília, apontando para o celular, onde exibia uma mensagem de texto com a frase “Estou te esperando, amor, por que a demora? No mesmo local, amanhã, às 3h, não esquece dessa vez”.
- Você está exagerando, não é nada disso que estás pensando, Marília, deixa eu te explicar! Este celular é de um ami...
- Ah, olha pra minha cara, Gustavo! Tu só podes estar brincando, eu só posso ter a cara de uma palhaça mesmo! (Interrompe Marília).
- Meu amor, amanhã tu ligas para o Sérgio, ele irá te explicar isso tudo, está bem? Mas fica calma!
- Ah... Além de tudo ainda és um covarde, vais ficar ligando pra amiguinho pra te acobertar, fora que o Sérgio é outro pilantra! Toma vergonha na cara, não és homem? Ao menos assume o que fizeste!
- Olha, tu acreditas no que quiseres, queres que eu vá embora, eu vou! Sei que estou na razão e não vou ficar aqui implorando pra que acredites em mim; se em 10 anos ainda não percebeste que te amo e que podes confiar em mim, então não será em algumas horas que tentarei te convencer. Tchau!
Ao fechar a porta, Marília correu para o quarto e trancou-se para que nem a empregada a perturbasse naquele momento e, aos prantos, gritava de raiva o nome de Gustavo. Sentia-se como no começo do casamento, quando sempre tinha que se preocupar com os lugares que ele frequentava e os amigos com quem andava, sentia-se uma idiota. Resolveu que havia aguentado todo aquele tempo ao lado dele por amor, sempre fiel e que não merecia ser traída, e ainda ria, ao mesmo tempo que chorava, das declarações que ele falara antes de sair, ainda a acusando de não ter confiança, mesmo ele não tendo como argumentar contra aquilo que era óbvio pra ela. Depois de uma boa noite de sono, resolveu ir a um barzinho que ficava perto de sua casa; queria descontar sua raiva beijando outro homem, achava que essa seria a melhor punição para Gustavo, pagando na "mesma moeda". Ao chegar no bar, atraía olhares de muitos homens, afinal, aquele bar era para paquerar e Marília era uma mulher muito charmosa, elegante, olhos cor-de-mel, esbelta, com seus 35 anos, aparentava uns 30, no máximo. Sentou-se e logo o barman ofereceu-lhe uma bebida e apontou para um homem que sorriu para ela, este era mais velho, beirava seus 48, apesar de aparentar um pouco menos. Muito charmoso, elegante, mais que Gustavo que, apesar de ter a mesma idade que Marília, já estava desleixado e não se preocupava mais com a aparência. Marília então começou a conversar com esse homem, chamava-se Tadeu. Beijaram-se, por iniciativa dele.
- Não posso, sinto muito. - Interrompe Marília.
- Por que, linda? Você mesma me contou que seu marido é um cafajeste!
- Eu sei... Mas eu não tenho certeza, de repente estou tomando uma decisão precipitada. Mil desculpas, tenho que ir.
Ao sair com pressa do bar, deixando Tadeu um pouco atordoado com a situação inusitada e reclamando para si a velha frase de que “todas elas são malucas”, Marília encontra Sérgio, o amigo de Gustavo, em frente ao bar, quando chega uma mulher alta, morena, muito bonita, e Sérgio exclama que ela está atrasada. Marília olha para o relógio e, curiosamente, são 3h, então lembra da mensagem de texto e daquela que até então era a tal desculpa esfarrapada de Gustavo; sente-se aliviada com uma certa culpa e corre para casa para ligar para ele. Ao chegar em casa, encontra Gustavo assustado no sofá, com a cabeça baixa e a mala com algumas peças de roupas. Ela olha para ele, pede desculpas e repete várias vezes que a culpa toda é dela e que nunca deveria ter desconfiado dele e que agora sabia que o amor era o que realmente importava e que estava provado que ele a amava de verdade. Os dois se beijaram e fizeram amor como dois jovens apaixonados. Ao acordar, Marília sai depressa atrasada para o seminário de biologia que precisava comparecer e, ao sair, toca o celular de Gustavo.
- Sérgio, brigadão cara, nem sei como te agradecer, vou depositar pra ti o dinheiro que prometi por ter seguido a minha mulher e contratado aquela mulher para fazer aquele teatrinho, essa foi por pouco, cara! Quase que meu casamento explode! Ah, se não fosses tu, meu chapa! Salvou minha pele!
- Foi difícil, viu?! Tô merecendo até um aumento nessa grana aí que tu me prometeste... Só tu mesmo, não mudas nunca, Gustavo! Somos uns gênios, que plano, hein, meu amigo!? Quase que não dá certo!
Ele guarda o celular no bolso, ri alto e pensa: “Mulher é bicho besta mesmo, fácil de enganar... Tenho que tomar mais cuidado... A piranha da Lurdes tinha que me mandar uma mensagem dessa, também!? Ah... Não quer saúde, essa foi por pouco, por pouco”.
A vizinha vê Marília sorridente e cochicha com a amiga:
- Que mulher de sorte! Queria ter um marido desses, isso sim é amor, isso sim é amor!
sábado, 6 de dezembro de 2008
Barulhos estranhos.
Era uma noite fria, mas o medo me tomava por inteira. O relógio badalava à meia-noite, toda vez que passava por esta rua eram estes barulhos estranhos. Os vizinhos não entendiam o que era aquilo, mas preferiam não falar sobre, achavam que conversar sobre coisas ruins atraía má sorte. Sempre fui muito curiosa, e nessa noite, ao ouvir o mesmo barulho à meia-noite em ponto, resolvi ir atrás e tentar descobrir o que era. Talvez fosse melhor deixar minha curiosidade de lado, mas eu já estava decidida.
Caminhei seguindo o barulho; era sexta-feira, a rua estava deserta, minha casa ficava há duas quadras, mas o barulho seguia em outra direção e era atrás dele que eu estava indo.
- Rebeca, o que estás fazendo aqui?
- Quem é? Como sabe meu nome? Não consigo ver nada. - Falava com muito nervosismo, minhas pernas tremiam, mas não era momento para arrependimento. De repente, senti uma mão puxar-me e em seguida perdi os sentidos, desmaiei.
- Onde eu estou? Quem são vocês?
Estava cercada por pessoas estranhas, todas com capuz, não conseguia reconhecer ninguém. Comecei a achar que aquela era uma brincadeira de mal gosto, depois entrei na paranóia de ser um sequestro relâmpago ou algo do tipo, mas como sabiam meu nome? Era o que eu me perguntava.
Foi quando uma delas retirou o capuz, tremia de medo. Era uma pessoa como outra qualquer, com apenas uma diferença, o homem não tinha olhos. Era como se a parte onde ficam os olhos fossem como as bochechas ou a continuação da testa, e aquele barulho começara novamente, todas aquelas pessoas encapuzadas fazendo seu ritual, que até então, eu não entendia ao certo o porquê. O homem sem olhos virou pra mim e disse que aquele ritual acontecia todas as noites e que eles esperavam alguma pessoa curiosa ir atrás para usá-la como o 'objeto' a ser sacrificado, ou seja, eles iriam me matar. Comecei a suplicar e dizer que não estava ali para fazer-lhes mal. Todos retiraram os capuzes da cabeça e, para minha surpresa, todos ali não tinham olhos. Tentava imaginar como eles faziam para me enxergar; demorei a entender que aqueles não eram seres humanos, talvez tivessem sido, mas que já tinham partido e não cumpriram sua missão na terra e, por isso, ficavam vagando e atraindo pessoas mexeriqueiras afim de ensiná-las a cuidar de suas vidas e não se intrometerem no que não eram chamadas. Não sabia mais o que fazer, ainda estava muito nova para ter esse fim trágico. Foi quando um deles decidiu que se eu quisesse sobreviver, deveria atrair outra pessoa para lá e que esta morreria no meu lugar. Deram-me uma hora para pensar em quem eu iria atrair para lá.
- Tomei minha decisão. - Disse, tremendo.
- Foi mesmo? Então estamos curiosos para saber quem você trará ao seu lugar, que crueldade, hein?! Deixar alguém morrer por um erro seu...
- Pois é ... Acho que ficarão espantados com a minha decisão, mas eu decidi que se hoje é o meu dia de morrer, se foi o que decidiram, então assim será. Nunca seria capaz de tirar a vida de alguém para ficar em meu lugar, o erro foi meu, realmente.
- Ora, ora, ora! Não é que encontramos alguém com uma mente diferente? Você sabe que isso era apenas um teste para sabermos se você é alguém do bem?! Pode ir pra casa, menina. Amanhã fará um dia lindo, e lembre-se, guarde nosso pequeno segredinho, feche seus olhos.
Acordei em casa, já estava amanhecendo. Todas as noites em que passava pela rua em que escutava todos aqueles barulhos me lembrava dessa noite; às vezes acho que a minha imaginação é muito fértil e que na verdade eu sonhei tudo aquilo, foi quando estava passando pela rua com minha prima e ela ficou curiosa e me perguntou se eu sabia o que eram aqueles barulhos estranhos e, por via das dúvidas, disse a ela que aquilo podia ser qualquer coisa, mas que não era de nossa conta. Nunca se sabe, nunca se sabe...
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